quinta-feira, 18 de junho de 2009

Eles também sabem cuidar

As mulheres são quase sempre as responsáveis por acompanhar e cuidar das pessoas que adoecem em sua família. Mas quem disse que os homens não podem ser excelentes cuidadores?

Quando alguém adoece na família, precisando de acompanhamento e cuidados específicos, quase sempre quem ocupa o papel de cuidador é uma mulher. Filha, irmã, nora, mãe, avó, amiga – a que estiver mais próxima e disponível. E não é diferente com as mulheres em tratamento do câncer de mama, que de repente veem suas vidas atingidas pelo desgaste físico e psicológico de uma cirurgia, da quimio ou da radioterapia. São dias difíceis, em que, mais que uma mão amiga para resolver tarefas práticas do dia a dia, como a comida, a roupa, o banho, a paciente precisa de um ombro sobre o qual possa dar vazão a suas emoções e de palavras de afeto que a incentivem a lutar, a superar o mal-estar daquele momento.

Nesse cenário, que mobiliza em maior ou menor grau todos os membros da família, os homens são tradicionalmente vistos como coadjuvantes, já que por razões históricas e sociais o ato de cuidar sempre foi atribuído ao sexo feminino. Isso não significa, porém, que eles sejam menos capazes – muito pelo contrário, como mostrou uma pesquisa realizada no Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O assunto foi tema da tese de doutorado, defendida em 2006, de Vera Lúcia Rezende, psicóloga do grupo de assistência oncológica do Caism. “Foi uma surpresa descobrir que os homens se saíram melhores cuidadores que as mulheres. Até então nós sempre incentivávamos a participação delas”, reconhece a pesquisadora.

A PESQUISA
Acompanhar uma paciente durante um tratamento muitas vezes agressivo é algo que abala os alicerces emocionais também do cuidador. O foco do estudo de Vera Lúcia foi justamente entender como é a reação de homens e de mulheres nessa função, algo que se reflete, positiva ou negativamente, no bem-estar das pacientes.

Segundo a autora, é comum a ansiedade ou a depressão dos cuidadores desencadear o mesmo problema nessas mulheres, algo que se soma aos sintomas físicos que elas já enfrentam. A pesquisadora analisou 133 cuidadores informais, dos quais 70% eram mulheres (a maioria filhas) e o restante, homens (a maioria maridos). Todas as pacientes estavam internadas no Caism com diagnóstico de câncer de mama ou ginecológico (útero ou ovário) em fase avançada, sem chances de cura.

Os resultados mostraram que, em geral, os homens aceitavam melhor a função de cuidador. Além disso, o diagnóstico de ansiedade e depressão foi muito maior entre as cuidadoras. Enquanto 58% dos homens apresentavam depressão, 82% das mulheres foram diagnosticadas com o distúrbio. “O homem, principalmente quando é marido, parece estar mais protegido do ponto de vista psíquico”, afirma Vera Lúcia. Para ela, outra possível explicação para o resultado está na relação muitas vezes ambivalente entre mãe e filha, que, nesse momento crítico, deixa vir à tona sentimentos conflitantes de amor, ódio e culpa. “Além disso, a filha também tem de lidar com a ideia de que esse tipo de câncer na mãe aumenta a probabilidade de que ela própria venha a adoecer do mesmo problema no futuro”, explica a psicóloga.

Um mecanismo biológico também poderia estar a favor do sexo masculino. Pesquisas mostram que, depois de um trauma psicológico, os homens produzem serotonina – um neurotransmissor cerebral associado ao humor – mais rapidamente que as mulheres, o que diminuiria a chance de instalação de um quadro ansioso ou depressivo neles.

ROTINA PROTETORA
Agitação, insônia, irritação e perda do apetite são os sintomas mais comuns que afligiam os cuidadores analisados no estudo. “Muitos deles se esqueciam de tomar banho, às vezes tínhamos de obrigá-los a voltar para casa. Manter um mínimo de rotina pessoal é um fator protetor”, afirma Vera Lúcia.

Abnegação total em função do doente, portanto, pode ser nocivo para ambos. Será essa uma atitude mais comum nas cuidadoras? O estudo não analisou essa questão, mas talvez seja mais fácil, ou mais aceito, que a mulher abdique temporariamente de suas atividades diárias para se dedicar exclusivamente à mãe doente do que se o mesmo fosse feito pelo marido ou pelo filho. “A sociedade muitas vezes impede o homem de se aproximar dessa situação”, reconhece a psicóloga.

Em sua opinião, no entanto, o acolhimento pelo companheiro nesse momento, mesmo que ele não possa estar presente ao lado da mulher 24 horas por dia, é extremamente importante para que ela lide melhor com aspectos da sexualidade e da feminilidade, que estão necessariamente em jogo no caso do câncer de mama. “O fato de o marido querer participar também é indicador de uma boa relação entre o casal”, diz a pesquisadora.

A experiência de Vera Lúcia Rezende está ajudando o Caism a fazer mudanças importantes para o bem-estar dos cuidadores e, logo, de suas pacientes – exemplo que bem poderia ser seguido por outros centros de tratamento oncológico no Brasil, onde infelizmente o acompanhamento psicológico das mulheres com câncer de mama ainda é tão escasso. O primeiro passo foi pôr à disposição uma cadeira-leito para o acompanhante de cada paciente. “É uma medida simples, que faz muita diferença no bem-estar físico de quem passa muitas horas no hospital”, diz Vera Lúcia.

A segunda medida foi a abertura da terapia de grupo – que já beneficiava as pacientes – também para os cuidadores, com um incentivo especial para a participação masculina. Segundo a psicóloga, o objetivo é entender melhor como os homens, especialmente os maridos, vivenciam essa experiência.

Se for para o bem das mulheres, que eles sejam muito bem-vindos.

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